Desta vez um remiss (taxi) tomado no Terminal de Buses de Jujuy me conduziu à entrada do Parque Nacional Calilegua. Ninguém sabe o que esperar de um parque encontrado no mapa e perseguido às cegas. O camping alto astral, semi-selvagem e gratuito de Calilegua, bem sinalizado e estratégicamente posicionado às margens do San Lorenzo, surpreendeu. Surpreendeu também a amabilidade da equipe de guarda parques e o número de picadas de insetos no rosto, testa e pescoço de três jovenes portenos, únicos colegas de camping: mais de quarenta semiesferas vermelhas e inflamadas cobriam nossos amigos naquele crepúsculo de quarta feira, e inquietavam a minha consciência de viajante incauto: o repelente havia ficado pra tras, onde não há água não haverá insetos e é preciso viajar leve. E ainda restavam três noites no camping.
Durante a maior parte do ano a provincia de San Salvador de Jujuy, no noroeste argentino é tão seca quanto o Cariri pernambucano. A vegetação, os abundantes caprinos e sérios problemas sociais lembram também cenas típicas do nordeste brasileiro. Numa mistura de sertão com zona da mata, até a cana de açucar aparece em campos à margens dos rios, acessíveis apenas na estação seca através do leito seco, em bizarras adaptações de caminhões antigos.Na região dos primeiros cerros pre cordillera concentram-se as torrenciais precipitações de verão e consequentemente tremendos rios sazonais. Nesta quarta feira de outubro as chuvas já passaram há muito, então o San Lorenzo está manso e pode ser cruzado em menos de dez passos com água pelas canelas. Na estação chuvosa em fevereiro-março ele atinge centenas de metros de largura e colossais vazões sobre o leito largo, de imensas pedras. Sobre as barrancas e subindo os cerros a vegetação de yungas, que nesta região se parece a uma mata atlantica um pouco mais seca e sazonal, parecida com a floresta semidecidual do litoral paulista, com a mata de tabuleiro nordestina ou com as matas de galeria dos cerrados brasileiros. A familiaridade com a vegetação contrasta com a surpresa de encontrar algo tão parecido ao Brasil há milhares de quilometros para leste, aos pés dos Andes. Mas a grandiosidade e força do San Lorenzo impressionou mesmo, como se os milhões de metros cúbicos de água barrenta estivessem bem ali correndo pelo leito seco.Uma gentil guarda parque salvou todos do martírio: voltaria para sua casa em Jujuy e na manhã seguinte providencialmente traria um frasco de repelente para nós e outro para o trio. Aprovechando, estes também encomendaram alguna carne (já tinham arroz e mate), e "una botellita de vino, para el almuerzo". Por supuesto...!