Páginas

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Río San Lorenzo

Desta vez um remiss (taxi) tomado no Terminal de Buses de Jujuy me conduziu à entrada do Parque Nacional Calilegua. Ninguém sabe o que esperar de um parque encontrado no mapa e perseguido às cegas. O camping alto astral, semi-selvagem e gratuito de Calilegua, bem sinalizado e estratégicamente posicionado às margens do San Lorenzo, surpreendeu. Surpreendeu também a amabilidade da equipe de guarda parques e o número de picadas de insetos no rosto, testa e pescoço de três jovenes portenos, únicos colegas de camping: mais de quarenta semiesferas vermelhas e inflamadas cobriam nossos amigos naquele crepúsculo de quarta feira, e inquietavam a minha consciência de viajante incauto: o repelente havia ficado pra tras, onde não há água não haverá insetos e é preciso viajar leve. E ainda restavam três noites no camping.
Durante a maior parte do ano a provincia de San Salvador de Jujuy, no noroeste argentino é tão seca quanto o Cariri pernambucano. A vegetação, os abundantes caprinos e sérios problemas sociais lembram também cenas típicas do nordeste brasileiro. Numa mistura de sertão com zona da mata, até a cana de açucar aparece em campos à margens dos rios, acessíveis apenas na estação seca através do leito seco, em bizarras adaptações de caminhões antigos.
Na região dos primeiros cerros pre cordillera concentram-se as torrenciais precipitações de verão e consequentemente tremendos rios sazonais. Nesta quarta feira de outubro as chuvas já passaram há muito, então o San Lorenzo está manso e pode ser cruzado em menos de dez passos com água pelas canelas. Na estação chuvosa em fevereiro-março ele atinge centenas de metros de largura e colossais vazões sobre o leito largo, de imensas pedras. Sobre as barrancas e subindo os cerros a vegetação de yungas, que nesta região se parece a uma mata atlantica um pouco mais seca e sazonal, parecida com a floresta semidecidual do litoral paulista, com a mata de tabuleiro nordestina ou com as matas de galeria dos cerrados brasileiros. A familiaridade com a vegetação contrasta com a surpresa de encontrar algo tão parecido ao Brasil há milhares de quilometros para leste, aos pés dos Andes. Mas a grandiosidade e força do San Lorenzo impressionou mesmo, como se os milhões de metros cúbicos de água barrenta estivessem bem ali correndo pelo leito seco.
Uma gentil guarda parque salvou todos do martírio: voltaria para sua casa em Jujuy e na manhã seguinte providencialmente traria um frasco de repelente para nós e outro para o trio. Aprovechando, estes também encomendaram alguna carne (já tinham arroz e mate), e "una botellita de vino, para el almuerzo". Por supuesto...!