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sexta-feira, 6 de agosto de 2010
Barra pesada
Mais alguns dias em terra na Jeri, rede armada em casa de amigos. Diariamente esperar a maré seca para ir à bordo, e quando a maré não está tão seca assim nadar bastante, as vezes com alguma coisa suspensa em uma das mãos pra não molhar. Depois, escalar o costado para subir a bordo, tarefa nem sempre fácil.
Tirar a água que já começa a entrar pelas costuras do casco, bem sacudidas pelo peso do mar e do vento dos ultimos dias e pelas pancadas no fundo da "marina" da Jeri. Organizar velas, cordas, roupas e equipamentos, jogar água no convés. Voltar para terra, buscar alimento, abrigo.
Nos planos a próxima parada é Mangue Seco - Guriú, que ficam a umas 7 milhas à oeste. Destino desejado porque tem porto bom, abrigado e peixe farto, temido porque acessível apenas por uma barra rasa e perigosa.
Suspendi os ferros e parti para um reconhecimento da Barra do Guriú na quarta pela manhã, vento favorável e brando, amarrei o leme e a escota da vela e pude passear a vontade pelo barco enquanto o "piloto automatico" cuidava do rumo. Gostei da brincadeira.
Pouco depois, como de costume, o vento endureceu e com ele o mar e a velocidade. Já se via as pequenas casas do Mangue Seco, o que parecia ser a barra se aproximava, o ponto no GPS, tomado da carta nautica, estava errado, agora tinha que ser tudo no visual. Chegando mais perto as ondas já começavam a arrebentar e o barco já galeava o suficiente pra eu ter que me agarrar na borda enquanto escutava as coisas todas chacoalhando sob o convés. Onde deveria ser a barra se viam finas linhas brancas de arrebentação sobre um mar amarelo: estava raso, perigoso, se encalhasse ali seria moído pelas ondas e pela areia em alguns minutos. Decidi voltar.
Agora era o mar e o vento batendo de frente. Tinha que ligar rápido o motor, enrolar e baixar velas e mastre e sair rápido dali, tudo isso sobre ondas, sob vento, balançando violentamente e frequentemente banhado por sprays de água salgada. No fim deu certo, consegui soltar a vela da retranca, enrolar no mastro, tirar o mastro e amarrar na borda, tudo com o motor ligado. Ainda bem que eu ja estava literalmente com a faca nos dentes, um dos nós que prendia a vela à retranca estava muito apertado e impedia todo o processo, a lamina resolveu facil. Depois disso duas horas e pouco de pilotagem contra o mar e o vento, e eu estava de novo na Jeri.
Achei que era a maré que nao estava alta o suficiente, hoje tentei de novo, e tudo igualzinho: velada mansa pra ir, barra complicada, retirar vela e mastro no alvoroço e voltar contra o vento.
Tudo isso tem me dado muito trabalho, seria mais facil por terra, a pé, nestes tempos muitas vezes tenho pensado em terminar a empreitada náutica: voltar pro Acaraú, vender a canoa e continuar por terra. Vida normal, casa normal, chegou a hora?
Hoje, exausto da volta, no barco, esperando a mare baixar pra ir pra terra, uma das velozes canoas nativas aproou para mim e foi chegando, sinalizaram pra terra, eu confirmei, encostaram e embarquei pra terra.
Contando a minha desventura, perguntei se conheciam um prático pra me ajudar a entrar no Guriú, tinha um a bordo, amanhã vamos sair as 9. Na conversa mais várias informaçõpes e histórias interessantes. Um dos pescadores me pergunta se a policia me pegou mesmo. Explico: invariavelmente as comunidades portuarias (pescadores, carpinteiros, desocupados em geral) acreditam piamente que sou algum tipo de criminoso, ou traficante, ou fugitivo. Como assim, um gringo viajando sozinho de barco, nao pesca, entra e sai do barco frequentemente com sacolas e mochilas suspeita? Pra apimentar alguem havia inventado um boato que eu havia sido pego por uma das trollers da policia militar que patrulham a Jeri, e é claro, o boato pegou. Achei graça.
Chegando em terra um por do sol incrivel, um bom banho de agua doce, agora agradavelmente instalado em uma poltrona a beira mar, escutando excelente musica brasileira ao vivo, conectado via rede wireless, esta é Jericoacoara...
Amanhã parto as 9 pro Guriú com meu prático Adriano. Talvez eu demore um pouquinho mais pra vender a canoa...
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3 comentários:
Cara que comédia...Abs
Se tu termina a aventura náutica e volta à terra, uma vez na terra terá vontade de retornar à aventura náutica. E aí tudo para o retorno ficará mais difícil...voltar à terra é mais fácil que voltar ao mar?
Abraço, Rafa!
"Mas então, ao menos que, no artigo da morte, peguem em mim, e me depositem também numa canoinha de nada, nessa água que não pára, de longas beiras: e eu, rio abaixo, rio a fora, rio a dentro -o rio.
Pedindo uma licensa poética ao Guimarães Rosa:
E voce Rafa, nessa água que não pára, sem eira nem beira, mar abaixo, mar a fora, mar a dentro - o mar.
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